segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Acordes com Contratempo



Às vezes, parece que nem tudo é tão absurdo;
Quando observo a chuva incansável em minha janela
Seu frágil toque sobre estruturas sólidas,
Seu deslizamento sonoro pelo ar

Batendo gota a gota
Musicalizando o tempo
Com seu tórrido sentimento de nostalgia
Sua queda invunerável

Como uma encenação de choros embelezados
Transporta meu corpo inteiro
Meu espaço
Meu ser e sua conexão

Assim pelo tempo, permaneço.
Para me refugiar dos rugidos do nada
Tudo se detêm,
Menos alguns acordes sureais

A chuva marca meu passo
A melodia é ancestral
Sua origem remota é minha dança agora
E fico acompanhando a chuva nesse tempo de contratempos.





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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Morte absurda


Sempre no caminho de casa passa por aquela rua, aquela em que brincava desde pequena, aquela rua que se sente segura. Não esperava, pois nem sabe que à uma hora uma mulher deixou um homem, nem sabe que ele não pode suportar, e que prefere ver-la morta à deixar que esteja com outro, e que bebeu, e que quando ela saiu de casa batendo as portas, ele bebeu mais e agarrou uma faca. Foi atrás dela. Ela não sabe, que justo nessa rua avistará uma mulher correndo, sangrando. A abraça para que não caia, e ele vem atrás, furioso de raiva.
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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Jogando


Começou a brincar com aquele jogo que contaram que era muito imersivo, disseram que se sentiria parte de um mundo diferente, com suas próprias regras, aventuras e perigos. Era certo, logo o resto das coisas deixaram de interessar.
Em qualquer momento se dedicava a continuar explorando. Roubava horas do sono para seguir recorrendo aqueles labirintos inacabáveis, buscando símbolos que o permitíssem continuar.
Ontem, depois de muito esforço, conseguiu entusiasmado entrar por fim na sala do tesouro, mas descobriu que havia deixado de fora a chave de saída. Hoje não pôde ir trabalhar.
Entre no jogo e o ajude.
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Razões

A razão do algoz cego que matou seu filho por erro.
A razão da mãe que se lançou com seus filhos ao vazio.
A razão do ator que esqueceu seu papel e disparou ao público.
A razão de todos que chegaram com pergaminhos e agora exibem cabeças.
A razão de coroar alguém por um gol.
A razão do jovem que se injeta auroras boreais nas veias.
A razão dos que se jogaram na água e se afogaram para salvar um bebê.
E a razão do bebê já morto na água gelada.
A razão do moribundo, louco e bêbado, confundindo tudo sem parar de rir.

E também a razão do bailarino que cai.
A do poeta que vende versos marcados.
A do arquiteto que constrói catedrais sem deuses.

Razões?

Sim
E também a razão do frio, do medo, do azar e da dúvida.
E também dos gritos.
A do ancestral rugindo para sair.
E a da fome de sangue alheia.

Razões não faltam.


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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Mais ou menos como sempre


Aquilo fazia algo com os neurotransmissores, ficava grudado na pele. Recebia sinais do sistema nervoso, processava e devolvia modificado ao gosto do usuário. Tudo ordenado por controle remoto, que muitos levavam no bolso sempre. Quem se calava, agora se atrevia falar. O medo se ia, o sono vinha. Logo, a pena e a dor foram esquisitisses de uma minoria. Alguns se construíram como queriam ser, mais valentes e nobres, mais sensíveis. Outros enlouqueceram, bloquearam seus propósitos e ficaram inertes diante da televisão sem canal e com seus ruídos acinzentados. Outros foram escravos do mundo formatado, ou poetas suicidas, ou heróis involuntários de um castelo em chamas.
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sábado, 1 de novembro de 2008

Futebol e cutículas




Depois da pelada de sábado à tarde, todos tomavam cerveja em um boteco chamado Churasquim do Moranguim. Local distinto.
Conversavam em volta de uma mesa de lata amassada e enferrujada que tinha uma estranha propaganda da cachaça Balalaica.

- A melhor cantada que vi foi de um cara que chegou na 'mina' e disse que ela tinha pés maravilhosos. Abaixou-se e beijou os pés dela. A mina caiu no papo na hora! - Contou alguém.

- Éca! - Disse o mais novo da turma.

- Como assim, éca? - Retrucou outro. - Você não idolatra os pés das mulheres?

- Blerg! Eu não!. - Exclamou o jovem.

- As mulheres cuidam dos pés para que nós os beijemos. Elas tiram até cutículas, para seus pés ficarem lindinhos.

- Eu hein! Éca!.

- Eu também tiro cutículas! - Disse o "presidente" da pelada. Quarenta anos, barrigudo, baixinho, meio careca, macho. Joga bola três vezes por semana e bebe sete. Namora uma japonesa e uma ruiva, em períodos diferentes (claro). Adora carros e só usa roupas de liquidação. O cara é o ídolo da galera.

- O quê? - Perguntou o magricelo com espuma de cerveja no beiço, atordoado.

- Você tira cutículas?

- É, eu tiro as cutículas dos pés! Porquê!?

O 'Maneco' e o 'Zulu', que estavam sentados ao lado do presidente, se olharam e se afastaram. Podia ser contagioso.

- Você tá falando sério?

- Sim, por quê?

O Zulu botou o pé descalço na mesa. Havíam acabado de jogar bola e a prancha que era seu pé estava cheia de calos, bolhas de sangue e o cheiro era digno dos gatos mortos de onde o Moranguim tirava a carne para fazer o churrasquinho.

- Isso aqui é o pé de um homem!

- Não, isso é o casco de uma vaca. - Disse alguém.

- Presidente, você tira cutículas? Pra quê? - Perguntou o Zezão, antes de execrá-lo.

- Higiene!

Olharam-se todos. Ele não seria mais o ídolo! Homem que é homem não tira cutículas!

- Você tá virando metrossexual? Também joga bola de calcinhas, igual o Beckham?

- Não, só tiro cutículas!

- Mas isso é coisa de mulher! Ou pior: de mariquinha! - Disse outro mais exaltado.

- Pô, é só cutícula!

Mudamos o rumo da prosa. Começaram a discutir sobre uma nova eleição para presidente da pelada.

- Quem aqui não faz cutícula? - Muitas mãos se levantaram. - Quem não faz a barba todo dia? - Algumas mãos se abaixaram. - Quem não usa perfume? - Menos mãos. - Quem lê jornal no banheiro? Quem coça o saco em qualquer lugar? Quem canta mulher gostosa e feia? Quem escuta futebol no rádio? - Depois de tantas perguntas não restou ninguém! Todos tinham algo que os desabonasse como verdadeiros machões.

- É, presidente, você continua no cargo. O mundo mudou! Os homens de hoje tiram cutículas!









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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O culpado


Faz algum tempo, quando as coisas iam bem, entrei na internet por conselhos de um amigo para fazer alguns investimentos na bolsa. Comecei comprando alguns valores e um par de warrants, seja o que seja isso.
Logo fui me animando e, sem me dar conta, cliquei onde não era.
De repente, ví nos indicadores que a bolsa de Tókio estava em queda. Tentei clicar no 'desfazer', mais fiz algo errado e Wall Street caiu também . Tentando arrumar tudo, deixei sem fundos alguns bancos.
Quando ví o que tinha feito, desliguei o computador e dissimulei.
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sábado, 18 de outubro de 2008

Anestesia






Te atrai o fogo e as luzes
És mais um desta raça inerte
Teus gurús são pírulas
Teus dedos são agora
A continuação da máquina


Teus olhos incorporaram os signos
Teu coração se cobriu em látex
Injetarias chumbo no corpo para sentir algo
Que não seja anestésico
Estás perdido


Onde ficou seu amor pelos circos?
Quando deixou que as coisas fluam?
Quanta Ketamina seu sangue absorveu?
Já devorou seus monstros internos?


Bem vindo ao inferno dos inocentes
O purgatório já não existe
Somos o que deixamos de ser
Por covardes.





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sábado, 11 de outubro de 2008

Perigos da cidade



Uma anciã sentada na praça principal, com sua voz rouca e que sente o peso da idade, começa a dar dicas ao forasteiro: Se vai visitar algum dos bares do centro velho, não deixe de entrar em um curioso local, perto das ruinas da antiga igreja. Uma porta pequena parece esconder a entrada, há pouca luz e os frequentadores gostam de visitantes novos.
Conversam e contam a história do local, e pode ser que te convidem para as suas bebidas preferidas. Seja amável e não mostre seu medo, pois eles sentem o cheiro do medo. Quando notar que a noite se faz mais densa, quando você precisar de sua dose de luz do dia, prometa voltar outra noite. Talvez te deixem sair.
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domingo, 5 de outubro de 2008

Mini bangs

De algum momento, de algum final, de alguma explosão...
Somos big bangs, mini bangs, somos micro mundos que se expandem até o desconhecido e que derrepente se contraem devorando espaço.
Nossos mortos são buracos negros, nossa memórias devolvem imágens que já não estão alí. O universo, como nós, se expande, se emociona, se contrae, se divide.
Vive assim, um big bang, um mini bang.

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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Produtos de limpeza



Duas vezes por semana uma senhora faz a limpeza no apartamento da família. No princípio, ao voltar do trabalho, o pai encontrava dois ou três produtos de limpeza que usava. Porém, vê que cada vez mais são utilizados diferentes tipos de líquidos e pastas: amoníaco, sapólio, sabões de todo tipo, ceras, anti-pó, anti-germes, anti-concepcional, anti-qualquercoisa, desengordurantes, antioxidantes e cem frascos mais com siglas estranhas que não conhecia. O pai teme tanta química solta e sugere que não deve ser bom, e que algo deve ficar no ambiente e também no que comem.
Mas lhe disseram que não, e que o fato das crianças agora brilharem no escuro não está relacionado.
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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Celular

Namorada (vinte e poucos anos) - Sim, sim como sempre.
- Não, estou na fila banco.
- Mas se você já sabe...
- Não, não te vou dizer porque me dá vergonha.
- Não! não tenho vergonha de você. Tenho é vergonha de dizer.
- Já disse que não vou dizer. Todos estão me ouvindo.
- Mas você já sabe porque te digo todos os dias!
- Bom, tchau... sim eu também.

(ahhh... ela tinha é que ter vergonha de ser tão salame! Diga logo porque da próxima vez eu arranco o celular e digo eu!!!)




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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O buraco


Ele e sua esposa foram viver na montanha fazia um par de anos, e não voltariam para a cidade por nada.
Uma casa de madeira no meio do bosque, perto de um lindo lago e muito tempo livre para dedicar-se às suas aficções. Enquanto passeava só, ouviu uns gritos de socorro e correu até lá.
Um excursionista havia caido um um buraco profundo, meio oculto entre vegetação, e não podia sair. - Espere! disse. - Vou buscar ajuda.Ao ver-lo chegar, sua mulher viu a alegria no seu rosto, e sorriu.- Mais um! disse ele, pegando a espingarda.
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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ar e suor

Ar, mais ar...
suor.
tensão nas extremidades
instantes onde a umidade goteja
Se alteram os ritmos expontâneamente
Falsos repousos de alento cortado

Ar, mais ar
suor
pele que brilha com um salgado orvalho
a velocidade ganha da harmonia
poros e músculos se comulgam
movimento que rouba a respiração

Ar, mais ar
suor
corpo goteja
me detenho
pausa e arranque
mais forte
mais rápido
mais quente

na pretenção de concluir
arranca gemidos
não me contenho... mais...
mais forte
mais rápido
mais...
ar, mais ar e suor




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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ares azuis

Simetrias voam em seu corpo
Geometrias se compreendem ao leve tocar
Você e eu somos figuras incongruentes
Seria tudo tão simples se eu me tentasse mais
Interligar-nos de paisagens multicoloridas
Silhuetas de aves fundidas em azul
Você e eu somos ignorantes diante de tanta natureza
Seria tudo tão azul se no ar fossemos nos encontrar.

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quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Brinquedo e Epílogo


Entre caprichos e jogos cristalinos surgem alguns abraços com sal, com gosto. E a vida se molha com aquarelas de sentimentos enquanto dilapidamos hipócritas conveniências.
O tempo cruel perde seu poder e nossos instantes são escritos com tinta que jamais se apagará. Você não é um brinquedo, mas conheço seus abandonados cantos.
Pendurei no varal do esquecimento, cortei as cordas do meu respirar e agora ambiciono cuidar da resina que formamos e comprovar através desse âmbar que nem um furação poderá balançar.

Se soubesses que o sangue das minhas cortadas veias foram certa vez o bálsamo de nossa quebrada história, mancharia minha vida com palavras vermelhas.
Traga o último capítulo do epílogo que espera seu turno, e não penso escrever-lo com estrofes torcidas. Minha melhor opção é te ter no meu mais doce egoísmo.
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domingo, 17 de agosto de 2008

Sou mulher

Que se renova com novas ou velhas salivas e também com sorrisos, não poderia haver nada mais imediato e sutil que um sorriso, nada mais vivo, brilhante e sublime como um sorriso e um beijo natural, o mesmo necessário, o mesmo que nos reanima, que nos dá vida e que ao mesmo tempo nos presenteia com um sutil semblante da vida, carícia nova e cotidiana.
Sou mulher.. que se renova com salivas e sorrisos.




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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Doce Ignorância


Aquele sorriso costumava me trazer calor
Necessário em toda parte
Para me lembrar da rapidez de nosso tempo
Eu nunca entenderei o significado do que é certo
Suscito fantasias, sempre ao meu redor
Despindo sentimentos por essa terra
Buscando curar meu mundo
Sonhando com estrelas
Descanso na grama, observando os pássaros
Respiro o orvalho da manhã
E descubro que o amor é a origem dos sonhos
Vida efêmera, tocada por um
Teatro da vida, atriz de tragédias
Eu choro por ter o que temo em perder
Exemplo de beleza e desprezo sedutor
Perdida em versos
De um canto só meu
Parada nos portões do paraíso
Escravizando minha alma
E a doce ignorância continua desfilando.



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terça-feira, 12 de agosto de 2008

Classe média, média classe

Meio rica
Meio culta
Entre o que acredita ser e o que é
Meio distante, meio perto

Desde o meio, olha meio mal
Aos negros
Aos ricos
Aos sábios
Aos loucos
Aos pobres

Se escuta um Hitler
Meio que gosta
E se fala um Che
Meio também

No meio do nada, meio em que duvida
Analiza até a metade todos os feitos
E meio confusa sai as ruas com meia panela
Então meio que chega a se importar
Com os que mandam em meio as sombras

As vezes só, se dá conta
Meio tarde
Que a usaram de peão
Em um jogo de xadrez que não compreende
E que nunca vira rainha

Assim, meio raivosa
Se lamenta
De ser o meio de que outros comem
Ao meio de um meio que não entende nem meio.



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Agora meus textos estarão aqui!

Para meus textos antigos visite:
http://arual.zip.net